No Dia 08 de Março é comemorado o Dia Internacional da Mulher. Instituído inicialmente como um dia de reflexão e luta, a data infelizmente passou a ter um sentido muito mais comercial, com a maioria das empresas enxergando a ocasião como uma boa oportunidade para se aproximarem do público feminino, através de campanhas com mulheres em evidências e promoções direcionadas para esse público. O problema é que, historicamente, essas campanhas vem reforçando características socialmente impostas como femininas, além dos papéis sociais secundários normalmente impostos às mulheres.
Felizmente, esse tipo de abordagem vem sendo revista nos últimos anos, passando inclusive a depor contra as empresas que insistem em utilizá-las, tornando-as até mesmo alvo de críticas e chacotas.
Neste artigo nós falamos um pouco mais sobre o real sentido da data e também da delicada relação entre mulheres e o mercado de marketing digital.
POR QUE DIA 8 DE MARÇO?
A instituição do dia 08 de Março como Dia Internacional da Mulher foi proposta inicialmente pela socialista Clara Zetkin, em 1910, sendo oficializada pela ONU apenas na década de 70. A data surge como um reconhecimento à luta de mulheres ao redor do mundo por condições de vida e trabalho equiparadas às dos homens, mobilizando-se através de greves, manifestações e da organização de comitês ao longo de todo o século XX.
Diferentemente do que muitos pensam, o 8 de março não remonta a um acontecimento específico, mas sim a uma série de episódios relacionados a essa luta.
Inicialmente associada especialmente à luta por igualdade salarial, hoje o Dia Internacional da Mulher engloba outros temas como o combate ao machismo de forma mais ampla e a violência contra a mulher.
A REPRESENTAÇÃO DA MULHER E NO MARKETING E NA PUBLICIDADE
As mulheres são representadas no marketing e na publicidade desde os primórdios, no entanto, quase sempre sob uma ótica masculina. Sempre foi comum vermos propagandas que exploram partes do corpo da mulher, uma por vez, sexualizando-as ou associando-as a padrões socialmente construídos de feminilidade.
No entanto, a sociedade vem sofrendo uma série de mudanças e esse tipo de representação passou a ser contestada. Hoje, existe uma maior aceitação e até celebração das diferenças, que antes eram vistas como algo negativo. No entanto, a representação feminina no marketing e na publicidade ainda é pouco diversa.
Para se ter uma ideia, a 9ª edição da pesquisa TODXS, estudo desenvolvido pela ONU Mulheres em parceria com a Heads Propaganda e publicado em 2020, trouxe que 40% das mulheres brasileiras não se sentem representadas por aquelas que elas veem nas propagandas.
E pudera: o estudo mostrou que a maioria das mulheres representadas na publicidade, seja ela online ou offline, ainda seguem um mesmo padrão de beleza; brancas, jovens, magras, altas, com curvas, cabelos lisos e castanhos.
Segundo o estudo, 74% das protagonistas em campanhas publicitárias veiculadas na TV são brancas. O índice de mulheres negras, apesar de ter aumentado nos últimos anos, não ultrapassa os 25%.
Já em postagens do Facebook, a situação é um pouco melhor, com 35% de representatividade para mulheres negras.
Um número positivo está relacionado aos tipos de cabelos, uma vez que crespos e cacheados somaram 29% das representações de mulheres na publicidade enquanto, em edições anteriores, esse número flutuava entre 11% e 17%.
Mulheres maduras (com mais de 60 anos) aparecem em 60% das campanhas, mas quase sempre representadas por mulheres brancas. Já pessoas LGBTQI+ são retratadas em apenas 1,3% das campanhas, enquanto mulheres com deficiência (PCD) aparecem em apenas 0,8%.
Outro aspecto analisado pela pesquisa diz respeito ao teor do conteúdo, sendo que ⅓ das campanhas analisadas foram consideradas neutras, ou seja, que nem empoderam e nem estereotipam a figura da mulher. Apenas 3% das mulheres foram representadas em cargos de chefia, enquanto 75% dos personagens que trabalham são homens.
O estudo também traz que homens têm 62% mais chances de serem retratados como inteligentes e que apenas 0,03% das propagandas mostram mulheres sendo engraçadas.
A MULHER NO MERCADO DE MARKETING DIGITAL
Parte da falta de representatividade em campanhas de marketing e publicidade está relacionada ao próprio ambiente de trabalho. Isso porque a área foi, por muitos anos, dominada por homens brancos.
A primeira mulher de que se tem notícia a trabalhar com marketing foi Helen Lansdowne Resor, uma copywriter norte-americana contratada pela agência J Walter Thompson. Helen marcou uma nova era para a indústria, sendo a primeira a criar campanhas para clientes grandes como P&G e a Cruz Vermelha.
Helen inspirou outras mulheres a se aventurarem pela área, sendo que em 1912 foi criada a League of Advertising Women. Apesar da indústria ter se modernizado muito desde então, ainda existe um longo caminho a ser percorrido.
No Brasil, uma pesquisa da Revelo, mostrou que em 2020 as mulheres já eram a maioria das profissionais atuando com marketing digital (54%). Mesmo assim, menos da metade (43%) ocupam cargos de liderança. A pesquisa ouviu cerca de 1,5 milhões de entrevistados em mais de 20 mil empresas.
Outro dado que assusta é que, em média, a pretensão salarial da mulher é 22% menor do que a do homem, sendo a área de design uma das que apresentam a maior discrepância.
A MULHER COMO CONSUMIDORA DE MARKETING DIGITAL
Os profissionais de marketing digital não são exatamente um espelho da sociedade, e, justamente por isso, trazer mais diversidade a esse mercado é algo que ajuda na criação de campanhas mais inclusivas que toquem pontos de atenção e preocupação de parcelas da população antes pouco consideradas.
Justamente por isso, a maior inserção de mulheres no mercado de marketing funciona como uma via de mão dupla, ao mesmo tempo que aumenta a diversidade dentro das agências também traz uma maior sensibilidade e entendimento do público feminino, de forma a pensar estratégias que sejam de fato relevantes para esse público.
Hoje, a grande parcela das mulheres consumidoras da internet estão ativas no mercado de trabalho e na casa dos 50 anos. São mulheres independentes, bem sucedidas, com uma intensa vida social e muito preocupadas com questões de saúde, sejam relativas ao corpo ou à mente.
Convencionou-se acreditar que mulheres são mais emocionais em relação a compras, o que não é necessariamente errado, mas elas também são muito mais detalhistas, o que faz com que prestem atenção em quase todos os pontos de comunicação com os quais são impactadas, isso somado ao seu grande domínio sobre a tecnologia.
Diferentemente do público masculino, que tem maior tendência a comprar por impulso, as mulheres costumam pesquisar muito antes de realizar compras, além de conversarem com familiares e amigos e de estarem muito mais abertas a receberem ajuda.
Por outro lado, uma vez satisfeitas com um determinado serviço ou produto, elas são muito mais propensas a se fidelizarem às marcas.
Essa extensa coleta de informações e fidelização, faz com que as mulheres sejam também excelentes influenciadoras, sendo muito procuradas pelas marcas para a divulgação de produtos.
EXEMPLO DE CAMPANHA DE DIA DAS MULHERES: O CASO DO BURGER KING
No ano passado, o Burger King foi alvo de polêmica após lançar uma campanha no Reino Unido com os dizeres “Women belong in the kitchen”, ou seja “Lugar de mulher é na cozinha”. Apesar da boa intenção, tentando chamar a atenção para falta de oportunidades para mulheres no mercado de gastronomia, a execução, convenhamos, não foi das melhores.
Já neste ano, no Brasil, sua ação de Dia das Mulheres tem sido muito elogiada por trazer uma reflexão acerca da diferença de salários recebidos por profissionais masculinos e femininos. Na campanha “Delivery de 267 anos”, consumidores que faziam pedidos no aplicativo recebiam um prazo de entrega de 267 anos. Esse é o tempo que, segundo o Global Gender Gap Report de 2021, levará para as mulheres atingirem a equiparação salarial com os homens.
A campanha foi desenvolvida por um time 100% feminino e não se limita apenas ao discurso, uma vez que a rede de fast foods é detentora do selo Womens on Board, desenvolvido pela ONU Mulheres, que reconhece empresas que incentivam a presença de mulheres em conselhos administrativos e consultivos, tendo 48% de sua liderança corporativa e 51% da liderança de seus restaurantes compostas por mulheres.
Ao invés de reforçar padrões e estereótipos tão comumente explorados nessa data, o Burger King optou por resgatar o verdadeiro significado do 8 de março, envolvendo toda a sociedade nessa reflexão, um ótimo exemplo a ser seguido por marcas que desejam de fato, impactar positivamente nessa data.
Como o próprio fast food testemunhou no passado, materiais considerados machistas e que disseminem o senso comum, muito provavelmente irão depor contra a sua empresa. Ao invés disso, que tal sair da caixa, consultar suas profissionais femininas e pensar em campanhas que verdadeiramente respeitem as mulheres e sua diversidade?
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